“Saiba, ó filho meu…
Que existiu uma época muito distante, em que o calendário não registrou nos anais da história da terra, um povo entre as diversas raças humanas que passaram, como estrelas espalhadas no firmamento, sábio e culto, filosófico e sonhador…
Sonhavam em retornar ao seu lar sidério, situado entre as estrelas da constelação do Cocheiro…
e por isso, os mais dotados espiritualmente, insistiam em olhar o céu e suspiravam de saudade…
A lua com seu raio argênteo, espraiava-se sobre as encostas setentrionais daquela região onde hoje se encontra Madagascar, há muitos e milhares de anos…
O homem sagrado bordejava a orla do mar, e em seu caminhar contemplava a imensidão dos astros notívagos e suspirava com seu olhar marejado, as constelações como se quisesse ler no misterioso livro do céu o futuro de seu povo…
Alto e esguio, de compleição delicada, olhos brilhantes e profundos, Nalmyskar, o sacerdote do templo de Obhaluayê perscrutava as conjunções do céu para compreender os vaticínios que chegaram através de seus sonhos, com relação aos acontecimentos prestes á desabar sobre seu país…
Com seu cajado na mão direita, permanecia de pé ao som do mar e á luz dos espaços infinitos, e assim permaneceu por longas horas, em contemplação silenciosa…
Revia o sonho e cada parte triste…o povo inteiro seria colocado á prova por desprezar a grande lei de zambi! E agora os Araxás através de seus sonhos anunciavam a grande tragédia que se abateria sobre todos como remissão dos pecados…
A sabedoria milenar há muito fora deturpada por sacerdotes corrompidos, que se deixaram levar pelos ouropéis e vaidades humanas, patrocinando verdadeiras orgias, descambando para a magia negra…
Triste sina de um povo que já foi a aurora de uma civilização grandiosa!
Muitos serão banidos, degredados, irão para longe de seus lares, como escravos de uma raça que não tardaria em surgir no horizonte, em busca de conquista e ouro.
Famílias inteiras separadas, genocídio, depravação e miséria seria o castigo deste povo orgulhoso e vingativo que ousou contrariar as leis sagradas dos Araxás…a sagrada lei de zambi!
Os grandes e brilhantes olhos do sacerdote derramavam copiosas lágrimas, vertidas de seu coração sincero, pois guardava as leis sagradas e vivia de acordo com os mais altos ensinamentos de sua escola de iniciação. Sabia que voltaria para seu lar sidério, para a sua amada estrela situada na constelação do Cocheiro, mas e o seu povo? Voltaria á vê-los? Aqueles que ficavam, que atraíram para si os olhos enérgicos dos Araxás?
Enquanto assim permanecia, não percebeu sublime Entidade postada á seu lado, que lhe observava com profundo amor e carinho.
Uma brisa fresca roçou seu rosto magro e escuro como ébano, e uma voz se fez ouvir, como que vinda da distância que ele mesmo contemplava da sua saudosa estrela…
“…Nalmyskar! o grande Zambi te abençoa através dos sagrados Araxás!
Trago-te a promessa de que, tão logo seu povo sinta o braço pesado e longo do carma, você retornará para cumprir missão junto aos teus mais caros afetos!
Numa terra que ainda está por ser descoberta, muito além mar, tu irás voltar para o seio do povo que tanto amas, e assim auxiliá-lo na difícil missão de retornarem aos braços de Zambi, através da dor e do sofrimento. Os Grande Senhores da Aumbhandhã, os Mestres da Luz Primaz ouviram tuas preces, abençoado sacerdote, pois que tu guardaste a lei de Zambi em seu coração!
Retornarás como Guia de uma futura religião que está para nascer nas terras do Cruzeiro do Sul,e inspirarás com teu exemplo de humildade os teus filhos deserdados…
Serás conhecido como Pai João do Congo por muitas gerações que te sucederão ao longo da jornada que ora se inicia em tua experiência íntima, e terás a alegria de ver voltar ao aprisco do amor de Zambi muitos de teus filhos desgarrados, que com teu amor, com tua dedicação e humildade irás inspirar aos dias melhores no futuro…
Por agora descansa, prepara teu espírito para as horas amargas que se abaterão, logo que a lua mude seu ciclo, para alertar mais uma vez teu povo das severas lições que lhe aguardam! Paz e Luz, Nalmyskar, abençoado dos Araxás!”
Com os olhos marejados, e profundamente emocionado, o velho sacerdote retornou a passos lentos em direção de sua aldeia, enquanto a lua, em seu zênite parecia compartilhar com a tristeza do velho ancião…
(João B.G.Fernandes)
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