Linhas de Trabalho da Umbanda – Baianos, Boiadeiros, Ciganos – Marinheiros, Malandros, Povo do Oriente, Mestres da Jurema.
Falando sobre linha de trabalho, vamos para a linha de Baianos.
Caboclo, Preto Velho e Criança são as três principais linhas de Umbanda.
São linhas tão fortes que alguns autores chegaram a dizer que a Umbanda era só pra Caboclo, Preto Velho e Criança, mas não é assim.
Voltando na história de Zélio de Moraes como o básico do fundamento da religião, ele diz: “Com quem sabe mais a gente aprende, pra quem sabe menos a gente ensina e não vamos virar as costas para ninguém”, se não vamos virar as costas para ninguém por que é que vamos virar as costas para o Baiano, o Boiadeiro, o Marinheiro?
A Umbanda é uma religião onde as entidades se manifestam, não apenas Caboclo Preto Velho e Criança. Embora essas sejam as três primeiras linhas de trabalho, as primeiras linhas de entidades que se manifestam na Umbanda: Caboclo, Preto Velho e Criança, então eles têm uma força junto ao inconsciente coletivo que é da pureza, da força e da sabedoria – a criança, o homem adulto e o velho, as três grandes fases da vida: a infantil, maturidade e do ancião.
Baiano é uma linha presente na religião de Umbanda, principalmente em São Paulo, se trabalha muito com Baiano. Tempos atrás no Rio de Janeiro não se trabalhava tanto com Baiano, existem questões regionais também na Umbanda.
Baiano vem sob o mistério de Yansã, eles trabalham com a cor amarela, bebem às vezes batidas de coco, bebem água de coco e o Baiano trabalha a energia de Yansã que é uma energia de movimento, de descontração.
Os Baianos são doutrinadores, eles usam guias de coquinho ou de olho de cabra e eles são muito falantes, extrovertidos, conversadores.
Na linha de Baiano há uma homenagem a Bahia como a terra que primeiro recebeu os Orixás, uma homenagem aos sacerdotes Baianos.
Para alguns, Caboclo, Preto Velho e Criança são considerados as três linhas principais de Umbanda e Baiano, Boiadeiro, Marinheiro linhas auxiliares ou linhas complementares, não importa, são linhas de Umbanda, são linhas de trabalho, muitas entidades que vem trabalhar no astral da Umbanda querem ajudar, mas não tem o grau de Caboclo, não tem o grau de Preto Velho e não são crianças.
Se um espírito não tem grau de Caboclo e não tem grau de Preto Velho, ele não pode ajudar na Umbanda?
Claro que pode.
A Umbanda é uma religião de hierarquias, então há de se fazer parte de alguma hierarquia, de algum grau, muitos espíritos que foram sacerdotes do culto de Orixá não incorporam nos cultos de Orixá, o Candomblé não é uma religião que abre as portas pra incorporação de espírito que é considerado egun.
Muitos deles vêm pra cá e não são Pretos Velhos e não são Caboclos e são acolhidos pela linha de Baianos, essas linhas também são chamadas de linhas intermediárias, muitas entidades que vem da Esquerda que trabalharam à Esquerda, quando começam a trabalhar na luz, começam – às vezes – pelas linhas de Baiano, Boiadeiro e Marinheiro, está aí a linha de Baiano.
Junto à linha de Baianos temos: seu Zé do Coco, Dona Maria do Coco, Seu Zé Baiano, Seu João Baiano, Seu Severino, Dona Severina, Dona Quitéria, são aqueles que vão falar da Bahia que tem um jeitão bem Brasileiro, bem descontraído, falante, cantador, eles gostam de dançar, de se movimentar, eles trazem uma descontração para o Terreiro, pra vida da pessoa, trazem uma leveza, uma soltura e também desapego, sossego.
Ligado a linha de Baianos temos também um povo que é chamado de Cangaceiro chefiado por Lampião, por Maria Bonita, uma linha de Cangaceiros que em alguns Terreiros fazem também parte da linha de Baiano, em outros Terreiros os Cangaceiros são chamados à parte.
É como se fosse a Esquerda da linha de Baianos, como se fossem os Baianos Kimbandeiros, alguma coisa assim, os Cangaceiros.
Em alguns Terreiros de Umbanda, Baiano e Cangaceiro estão na mesma linha, você tem aqui o Zé da Faca, o Zé Peixeira, o Zé Cinco Estrelas, o Corisco, o Severino, o Lampião, a Maria Bonita, trabalhando na linha de Baiano e há Terreiros que faz uma chamada separada.
Mas, a linha principal é a linha de Baianos, para muitos, Cangaceiro é auxiliar de Baiano, para outros Cangaceiro é como se fosse uma Esquerda de Baiano, mas o fato é: existe a linha de Baiano e existem aqueles que são Baianos e Cangaceiros e aqueles que são apenas Cangaceiros.
Boiadeiro: Boiadeiros trabalham no mistério de Logunan, os Boiadeiros trabalham no mistério do Tempo. Essas linhas: Baiano, Boiadeiro, Marinheiro representam bem uma religiosidade popular, Boiadeiro representa o homem religioso, que tem religiosidade popular e entre os Boiadeiros também temos Pantaneiros, os Romeiros que estão todos associados a essa linha de Boiadeiro.
Logunan é a temida Senhora dos eguns, Boiadeiro, Baiano, tem uma especialidade: doutrinar, envolver, conversar, falar, chamar, trazer descontração, esse é um campo, um perfil de Baiano.
Boiadeiro é aquele que vem com o laço, é aquele que vem pra pegar alguma coisa, caçar alguma coisa, buscar alguma coisa, o Boiadeiro está sempre atrás dos eguns, então Boiadeiro tem uma especialidade: pegar egun – egun é espírito perdido, espírito vagante, espírito trapalhão.
O laço do Boiadeiro é uma ferramenta astral que quando ele vira o laço dentro do Terreiro, aquela laçada do Boiadeiro é uma que quando corre no campo astral, ela recolhe tudo quanto é espírito que está ali solto e leva embora. Quando não, o Boiadeiro está de frente para um consulente, este consulente tem lá na casa dele um egun, um quiumba, um obsessor, um zombeteiro, um encosto, um espírito perdido, perturbador, que está incomodando, que está atrapalhando, o Boiadeiro olha pra pessoa, puxa o laço e quando ele joga o laço, o laço vai lá à casa da pessoa, fecha uma laçada e puxa e vem amarrado no laço do Boiadeiro.
No seu laço – que é o mistério de Logunan – vem amarrado tudo quanto é espírito, egun que está atrapalhando, perturbando, então esse trabalho do Boiadeiro, de trabalhar com o laço dizem respeito a uma especialidade, uma técnica, uma maneira de trabalhar, o Boiadeiro está às vezes chamando “boi”:
“Eh boi, oh boi” é uma simbologia, o Boiadeiro quando chama o “boi” – boi são os espíritos – então, “o boi está atolado”, o espírito está preso em algum lugar, é uma “manada de boi” é um monte de espírito que está sendo buscado, eles vão atrás do boi, vão atrás da boiada estão indo atrás dos espíritos, então existe uma linguagem simbólica que é utilizada dentro da Umbanda.
O Boiadeiro, às vezes, trabalha com vela branca, outras vezes trabalha com vela vermelha, Boiadeiro é de Logunan, mas muitos não conhecem Logunan então, ele também entra no campo de Ogum.
O Boiadeiro representa o homem forte, com energia, com força, com vigor, que chega que faz que acontece, o Boiadeiro tem essa força, essa energia, as velas de Boiadeiro são brancas ou vermelhas ou brancas e vermelhas, alguns usam velas e guias laranja para Boiadeiro.
Em cada Terreiro Boiadeiro bebe algo diferente, tem Terreiro que Boiadeiro bebe pinga, tem Terreiro que Boiadeiro bebe cerveja ou alguma outra bebida, então esses são os Boiadeiros, presença marcante, firme, forte, determinante, incisiva, dura, presente na Umbanda com mistério de Logunan na religiosidade e tem essa escora, essa força de Ogum, força de ir pra cima e resolver.
Boiadeiro é presença certa no Terreiro de Umbanda pra vencer tudo quanto é espírito que está perdido atrapalhando, perturbando de uma forma bem simples porque é a especialidade do Boiadeiro.
Caboclo é um grau, Preto Velho é grau, Baiano é um grau, Boiadeiro é um grau, então como é que é isso? Você vai subindo de grau? Você era Exu evoluiu virou Marinheiro virou Boiadeiro, depois vira Caboclo, vira Preto Velho? O grau de Caboclo é superior ao grau de Baiano? Os Pretos Velhos e os Caboclos são mais do que o Baiano e o Boiadeiro?
A questão é a seguinte: os Caboclos e os Pretos Velhos são realmente os grandes responsáveis pela religião de Umbanda e é comum que nos Terreiros os Caboclos e os Pretos Velhos sejam aqueles que são mais respeitados ou vistos como sendo aqueles que têm um grau maior de luz e de força.
Mas, isso não quer dizer que entre os Baianos, os Boiadeiros, os Marinheiros e até Exu não tenha uma entidade de muita luz, às vezes mais luz até que o Preto Velho, que o Caboclo mas que fez a opção de trabalhar como Baiano, fez a opção de trabalhar como Boiadeiro.
Há entidades com muita luz que querem e pretendem continuar trabalhando como Exu, como Pombagira, não dá pra generalizar. Nós estamos falando de espíritos humanos, não dá pra generalizar e colocar todo mundo no mesmo nível, na mesma gaveta.
Entre os Pretos Velhos estão os espíritos mais antigos, os mais maduros; entre os Caboclos estão os mais fortes, de mais luz, mas isso não quer dizer que entre os Baianos não exista alguém que tenha a mesma luz de um Preto Velho ou um Caboclo.
E não quer dizer que um Baiano vai evoluir pra se tornar Caboclo ou Preto Velho, muitos espíritos se realizam na linha que estão e não irão trocar de linha, não é obrigatório. Agora, entre Preto Velho e Caboclo é comum identificar espíritos que não encarnam mais, entre Baiano, Boiadeiro, Marinheiro, Cigano e Exu, Pombagira a maioria ainda vai encarnar, a maioria ainda está no ciclo reencarnacionista, então em percentual nas linhas de Caboclo e Preto Velho – em percentual – estão espíritos que já saíram do ciclo reencarnacionista e tem bastante luz, em percentual Baiano, Boiadeiro, Marinheiro e as outras linhas estão espíritos ainda reencarnantes, não dá pra generalizar, esse é ponto.
Marinheiro é o mistério da mãe Yemanjá, os marinheiros trabalham a força do mar, são entidades ótimas para o descarrego, é muito comum chamar a linha de Marinheiros pra fazer descarrego, limpeza no Terreiro.
Além de Marinheiro, temos os Pescadores e também os Piratas, Pirata ou Corsário, a ideia seria Marinheiro que trabalha mais no campo da demanda, existem Marinheiros mais voltados ao corte de magia negra que se apresentam parecidos como nós, no nosso imaginário algo parecido com Piratas ou Corsários, a linha de Marinheiro é uma linha imensa.
Há Terreiros que não trabalham com Marinheiro, há Terreiros que raramente recebem Marinheiros.
E há um conceito de que Marinheiro vem bêbado porque o Marinheiro vem e ele vem cambaleando, o Marinheiro incorpora e está cambaleando, usa frases como: “O mar está bravo, esta maré está brava, o navio está balançando” e o Marinheiro fica ali balançando e aí as pessoas pensam “Oh o Marinheiro já encheu a cara antes de vir para o Terreiro, deve ter passado lá no boteco, no bar, já tomou umas”.
Não. O Marinheiro está embriagado, não está bêbado.
Ele está embriagado da energia do mar, o Marinheiro incorpora e quando o Marinheiro começa a fazer esse movimento que vai pra frente e que vai pra trás, ele está trabalhando a força do mar como aquela força de arrebentação da maré que “vai e volta”, o Marinheiro está trazendo essa força de maré, essa força do mar, essa força de arrebentação que ele vai indo pra frente, ele vai indo pra trás, ele vai cambaleando, no momento em que o marinheiro está fazendo esse movimento que parece que ele está bêbado, que ele está cambaleando, ele está como uma pessoa que está no mar, na força do mar, o navio está balançando, ele está no mar e ele está trabalhando, ele está limpando, ele está descarregando.
Experimente você entrar no mar com a água mais ou menos até o peito e veja se você consegue ficar paradinho no meio da arrebentação, é onda que te leva pra frente, onda que te leva pra trás, pra frente e pra trás, então essa energia o Marinheiro traz, na beirinha não, no fundão não, mas naquele ponto onde a água está mais ou menos no peito, você sente essa força do Marinheiro que leva pra frente, que leva pra trás, é a energia do mar, energia do Marinheiro e aí o Marinheiro também tem uma linguagem própria. O que é o navio? O navio é o seu médium.
O que é o mar? O mar é a vida. O mar bravo são as dificuldades da vida e o navio é esse médium tentando lidar com esse mar que é a vida, você não controla o mar, mas você controla a vela, “baixa a vela”, a vela que lhe conduz por meio do vento essa você controla a vela das suas emoções, a vela das suas virtudes, dos seus vícios, não é? O vento das virtudes, a âncora dos vícios, o mar da vida, o navio que é você e o capitão maior que é Deus, Deus é o capitão maior que está nos guiando.
O Marinheiro tem amor e devoção por Yemanjá, pelas sereias, pela força do mar. E quando o Marinheiro está incorporado e está indo pra cá e pra lá, você está vendo, o Marinheiro está cambaleando, o Marinheiro está embriagado, está limpando e está descarregando e o Marinheiro está trabalhando o equilíbrio do seu médium – não o equilíbrio se ele consegue ficar em pé com um pé, com o outro, dançar, virar e cair, não – equilíbrio emocional, o Marinheiro nos ajuda a equilibrar as nossas emoções, ele vem na força de Yemanjá, o Marinheiro vem na força das águas e água é emoção, então ele ajuda a nos conduzir nas nossas águas, na vida e ajuda a nos conduzir nesse mar de emoções.
Sua força é força de Yemanjá, sua cor é o azul claro, Marinheiro bebe pinga, bebe cerveja, bebe rum, você oferece rum pra Marinheiro, eles são da Direita, Esquerda é Exu, Pombagira e Exu Mirim, mas tem Marinheiro Kimbandeiro, a imagem do Pirata, do Corsário, mas geralmente vêm todos na mesma linha, a não ser que faça um trabalho a parte, esse é o Marinheiro na Umbanda.
Os Ciganos também são uma linha de trabalho dentro da Umbanda. Caboclo, Preto Velho e Criança surgiram logo no início da Umbanda. Baianos, Boiadeiros, Marinheiros, surgiram em torna das décadas de 30, 40, 50 e a linha de Ciganos é uma linha recente na Umbanda.
A gente começa a encontrar literatura, texto, informação de Ciganos como linha a partir da década de 60 e 70, mas, no passado, os Ciganos faziam parte da linha do Oriente, então a gente encontra literaturas antigas de Umbanda como Lourenço Braga em 1941 – Lourenço Braga – escreveu o livro: Umbanda e Quimbanda e foi apresentado no Primeiro Congresso Nacional de Espiritismo de Umbanda, embora não esteja nos anais do Congresso. Lourenço Braga já registra a linha do Oriente e os Ciganos fazem parte da linha do Oriente, mas os Ciganos alcançaram tamanha popularidade que estabeleceram uma linha própria: a linha dos Ciganos. O que é a linha dos Ciganos?
Acreditamos que os Ciganos têm no astral o seu povo, o povo Cigano, esse povo Cigano tem uma história sofrida que entre outras teorias, eles formam uma diáspora, uma saída da Índia, uma provável origem para os Ciganos é que eles eram uma sub-casta da Índia que foi expulsa, passaram pelo Egito, passaram pela Europa, passaram pela África, estiveram nas Arábias e trazem essa cultura.
Nós somos influenciados pelos Ciganos: cortina, almofada, tacho de cobre, caldeirão, canja de galinha, o amor pelos cavalos, bombacha, churrasco, tudo isso tem uma ligação forte com o povo Cigano que a gente não percebe, o que se ouve falar de Cigano é que é ladrão de criancinha. Mentira.
O problema é que quando o povo Cigano chegou ao Brasil, e em todos os outros lugares, eles não tinham uma pátria, eles não tinham lastro, não tinham vínculo, não tinham identidade, RG, documentações não tinham terras, Cigano não podia abrir conta no banco, por isso eles juntam moedas, eles juntam ouro, fazem dentes de ouro porque isso era poupança de um Cigano para os seus descendentes.
Na Idade Média as mulheres engravidavam e se escondiam para ter o filho quando não eram casadas e então pegavam aquela criança e deixavam perto de uma tenda Cigana, os Ciganos criavam a criança.
Os Ciganos têm origem Hindu, origem Oriental, de pele morena como tabaco, às vezes, as pessoas que não queriam criar os filhos – não tinham creche naquela época, deixavam do lado de uma tenda Cigana, os Ciganos criavam aquela criança e daí nasceu a fama de ladrão de criancinha, uma mentira, uma bobagem.
Gente boa e gente ruim existem em todos os povos. Agora, num povo que está oprimido, que não tem pátria, não tem nada, vive andando de um lugar para o outro, que passa dificuldade, necessidade, já está sofrendo o preconceito, não é difícil que alguém que se sente à parte, diminuído, se revoltar contra o outro numa condição dessas.
Os Ciganos representam a liberdade, Ciganos representam a alegria, o mistério Cigano está nos dominios de Logunan que é o mistério do Tempo, os Ciganos vivem no tempo, são filhos da lua, das estrelas, do vento, da natureza, eles vivem no tempo.
Mas, também tem um mistério relacionado à Oxumaré porque Cigano sempre traz cores e alegrias, então o povo Cigano sempre se veste com roupas coloridas que é uma maneira de manter a vida alegre.
Os Ciganos estão sempre cantando, dançando e por ser um povo que sofreu muito preconceito, eles representam a quebra de preconceitos, a quebra de paradigmas, isso tem uma ligação forte com Oxumaré também, mas o primeiro mistério é Logunan – mistério do Tempo – em Oxumaré está a alegria dos Ciganos, das cores, essa liberdade, essa força e eles trazem um poder forte relacionado ao amor, eles trabalham muito esse sentido do amor, o sentido de viver a vida com menos opressão, de vencer, eles nos ajudam a vencer os nossos preconceitos, pra trabalhar com Cigano, uma pessoa que seja muito preconceituosa tem dificuldade, eles nos ajudam a vencer esses preconceitos e nos ajudam a vencer as amarras sociais, o peso das amarras sociais, das classes e condições sociais.
Os Ciganos nos ajudam a vencer isso porque esses papéis sociais acabam criando máscaras em que você deixa de ser quem você é pra ser um papel social, pra ser o advogado, o pai, o filho, o mestre, fulano e ciclano que tem esta, aquela posição social. Então eles nos ajudam a vencer, a viver com mais liberdade, com menos apego, nos ajudam a cantar, a dançar, a ser livre e viver o amor, amar com menos amarra, com menos apego.
Em vida eles foram Ciganos encarnados?
Não necessariamente todo Cigano foi um Cigano. Agora, há uma cultura Cigana que pode ser estudada, a cultura dos Rom, dos Kalderash, a cultura de vários clãs, os Rom falam Romanês.
Quando o Cigano incorpora, ele é obrigado a falar Espanhol?
Não. Não é obrigado, ele pode falar em Português claro.
Quem são os Ciganos que falam em Espanhol?
Geralmente são os Kalon que passaram pela Espanha, os Ciganos que vieram de Andaluzia, mas não necessariamente o Cigano que incorpora, não é necessário, não é obrigatório, ele não tem que falar Espanhol, ele só tem que se comunicar, tem que dar a sua mensagem. Porque a gente vê muito Cigano incorporado falando um “portunhol”, mas nunca vê um Cigano incorporado falando em Romanês que essa é a língua da maioria dos clãs Ciganos: Romanês.
Existe uma cultura própria, os Ciganos não se misturam, então não confunda uma entidade Cigana, um espírito de um Cigano com a cultura Cigana, por quê? Porque a cultura Cigana é algo a parte que não é Umbanda.
Quando o Cigano incorpora dentro do Terreiro de Umbanda, ele está orientando a acender vela pra Oxalá, pra Oxum, pra Oxóssi, todos os Guias de Umbanda estão dentro de um mesmo contexto, o contexto de sincretismo de santos Católicos com orixás, de rezas, de banho, de defumação, de passe, de consulta, então o Cigano ele apresenta um arquétipo, um jeito de trabalhar.
E tem Exu Cigano? Tem. Tem Pombagira Cigana? Tem. Agora, todo Cigano é Exu? Toda Cigana é Pombagira? Não. Se você está num Terreiro que não tem trabalho com Ciganos, pode ser que a sua Cigana encontre espaço na linha de Esquerda pra incorporar, que teu Cigano encontre espaço na linha de Esquerda pra incorporar.
Há dentro do povo Cigano, aqueles que são os Ciganos de Direita e os Ciganos Guardiões, há os Ciganos que fazem a guarda do seu povo e que não são considerados Exu e Pombagira, mas que trabalham na Esquerda como Cigano, como se fosse Cigano Quimbandeiro – Ciganos à Esquerda.
Muitos deles vêm na linha de Esquerda pra trabalhar por encontrar espaço de trabalho na linha de Esquerda.
Eles têm o louvor e amor por Santa Sara Kali que é a santa que representa esse povo, que é a santa negra, sincretizada com Egunitá pra nós aqui na Umbanda, Linha do Oriente: a gente diz que os Ciganos vinham na linha do Oriente, a linha do Oriente representa o Povo do Oriente.
Isso está muito relacionado também com uma época em que o Brasil começou a receber influência maior Oriental, então não tinha muita influência Oriental no Brasil Colônia, depois que veio a libertação dos escravos, não havia mais a mão-de-obra escrava, é um período bem marcado no Brasil e nas Américas, principalmente no Brasil em que chegam os Europeus pra mão-de-obra, então houve um momento no Brasil em que chegaram os Portugueses e os Italianos, vieram como mão-de-obra para as fábricas aqui no Brasil.
Esse é um momento marcante da Revolução Industrial da mão-de-obra do Europeu que era valorizado em detrimento da mão-de-obra do Brasileiro descendente de escravo, então foram contratados muitos Europeus.
Na sequência começaram a vir as comunidades Japonesas, Chinesas, e a cultura Oriental vai chegando ao Brasil, na Umbanda também vai chegando linha do Oriente.
O primeiro autor a citar a linha do Oriente na Umbanda foi Lourenço Braga.
E na linha do Oriente, segundo Lourenço Braga, cabe de tudo, na linha do Oriente você tem Chinês, Japonês, Hindu, Australiano, Marroquino, na linha do Oriente você tem Inca, Maia e Asteca que não são Orientais, mas que entram na linha do Oriente.
Talvez Lourenço Braga tenha colocado todos os que não se encaixavam nas outras linhas como sendo da linha do Oriente. O que representa? A linha do Oriente é um mistério na força de Pai Oxalá e a linha do Oriente representa esta espiritualidade, representa aqueles espíritos que vem trazer a luz, todo o esoterismo se refere ao Oriente como o lugar de onde vem a luz.
Quando nós olhamos para o nascer do sol estamos olhando para o oriente, de onde vem à luz, representa a espiritualidade superior, os grandes mestres do Oriente. O Oriente tem uma peculiaridade em relação ao Ocidente, quando falamos em mundo Ocidental nos referimos principalmente a uma cultura que teve uma quebra com a imposição da religião Católica na maioria ou do Cristianismo na maioria das culturas Ocidentais. A cultura Oriental é uma cultura considerada milenar, na Índia, por exemplo, temos o conhecimento dos Vedas que é um conhecimento espiritual que tem mais de cinco mil anos de mestres e sábios Hindus, que tem linhagens milenares de conhecimento espiritual, de evolução espiritual, de autoconhecimento, de trabalho mediúnico com espíritos, com divindades e etc.
Existe um vasto conhecimento espiritual na cultura Oriental Hindu, Chinesa, Japonesa, Tibetana, naquelas culturas adjacentes, o povo do Oriente representa a espiritualidade.
Hoje, nos Terreiros de Umbanda é muito comum chamar o povo do Oriente pra fazer trabalho de cura, há centros de Umbanda que fazem trabalhos de cura na força de Bezerra de Menezes – que é algo bem relacionado ao Espiritismo – há Terreiros de Umbanda que fazem trabalhos de cura com o povo do Oriente, eles vêm como mestres, como doutores, fazer um trabalho de cura com imposição de mãos, com orientação, com doutrina, com cirurgia espiritual em nome desse povo do Oriente, pode ser um mestre Turco, um doutor Chinês e até Alemão e etc, que vem nessa força do Oriente.
E há Terreiros de Umbanda que fazem trabalho de cura com os índios, com os Xamãs, com Caboclo velho, a linha do Oriente é uma linha bem antiga na religião de Umbanda.
No início da religião a comunicação com Caboclo e Preto Velho era muito truncada, era difícil às vezes, em muitos Terreiros o cambone se torna um tradutor/ interprete do que o Caboclo está falando porque ninguém entende muito bem o que ele está falando, só alguém que está muito tempo com ele.
Isso vem mudando e a linha do Oriente representava espíritos que em detrimento desse preconceito com a imagem de Caboclo e Preto Velho, representavam espíritos de mais evolução, de mais esclarecimentos e hoje a gente sabe que não é assim.
Todas as entidades têm evolução, esclarecimentos e por isso cada um tem sua forma de atuar. A linha do Oriente é uma linha de força muito sutil, não importa de onde eles vieram, qual língua eles falam, o que importa é: que energia tem esse povo do Oriente? Uma energia de Oxalá, extremamente sutil, uma energia que nos inspira a espiritualidade, a fé, a religiosidade, que nos incentiva ao autoconhecimento.
Quais linhas mais podem se manifestar ou se manifestam na Umbanda?
No Rio de Janeiro hoje, tem aparecido a linha de Malandro, é uma linha nova – ainda é uma linha nova – algo que a gente não tem tanto aprofundamento.
São Paulo já tem muito trabalho com linha de Malandro também.
O Malandro não é o bandido, o Malandro não é o ladrão, a malandragem é como linha de trabalho é a boa malandragem.
Quem é o malandro?
É aquele que faz o bem, que quer o bem e que ainda assim gosta de brincar, gosta de dançar, gosta de namorar, gosta de jogar, mas sem enganar, sem mentir, sem roubar, bom malandro.
É aquele que vai realmente trazer um pouco de descontração para sua vida, que vai ajudar você a entender também a sua sombra, o seu lado negro, ajudar você a deixar de ser tão preconceituoso com relação ao outro, na linha de Malandro temos os malandros dos malandros que é Seu Zé Pelintra. Agora, há de se tomar conhecimento: quem é Seu José Pelintra? José Pelintra é homem de história conhecida que nasceu no Pernambuco, foi para o Rio de Janeiro e depois voltou para Pernambuco.
Zé Pelintra em vida era um mestre de Jurema, de uma família de Juremeiros.
Quando ele vai para o Rio de Janeiro a imagem que a gente tem é de Zé Pelintra morando naquela região da Lapa se envolvendo com o samba, com as músicas, com as mulheres, com a boemia e ao mesmo tempo sendo um rezador, um mestre de Jurema que se torna um boêmio, um malandro, alguém ligado ali àquela ideia do samba, da comunidade e que mostra que mesmo, que nessa vida simples de comunidade, de alegria, de samba, de cerveja, de jogo, no sentido de acreditar na sorte, também há uma boa boemia no sentido de bom ou ruim está a intenção do que você faz, então dançar, cantar, brincar, como fazem as crianças, dançar como fazem os Ciganos, descontrair como fazem os Baianos.
O Malandro tem um pouco de tudo isso, então Seu Zé Pelintra, Seu Camisa Preta, essa malandragem, e esses malandros representam algo de bom pra gente, de descontração, de crer na sorte e também de uma cultura, de uma religiosidade popular, essa é uma linha de malandro que está chegando, que está se apresentando.
Seu Zé Pelintra é o mestre da jurema que se apresenta a partir do Rio de Janeiro como Malandro, mas que vem do Nordeste pra cá como Mestre da Jurema, Seu Zé Pelintra é um dos mais conhecidos mestres da Jurema no Catimbó ou se preferir na linha de Jurema: Mestre Zé Pelintra.
Na Umbanda Zé Pelintra incorpora como Malandro, Zé Pelintra incorpora como Preto Velho, Zé Pelintra incorpora como Baiano, Zé Pelintra incorpora na linha que lhe der abertura. E diz: “Zé Pelintra trabalha na Direita e na Esquerda” porque ele não é nem da Direita e nem da Esquerda, então ele trabalha tanto junto do Baiano, do Marinheiro porque trabalha em qualquer linha, às vezes, em algunsTerreiros, Zé Pelintra trabalha junto dos Caboclos, depende do Terreiro, por ele ser um mestre e trabalhar junto com os Exus é considerado quebrador de demanda.
Podemos encontrar com Seu Zé trabalhando na Direita, trabalhando na Esquerda, há Terreiros inclusive que Zé Pelintra coloca o chapéu viradinho pra direita quando está trabalhando na Direita, viradinho pra esquerda quando está trabalhando na Esquerda.
No Catimbó na linha da Jurema se diz: Trabalhando com fumaçadas a Direita e com fumaçadas a Esquerda porque a divisão não é tão clara de linhas da Direita, linhas da Esquerda.
Na Umbanda, linhas da Esquerda são as linhas de Exu, Pombagira e Exu Mirim, linhas da Direita: todas as outras, mas temos Caboclo Quimbandeiro, Caboclo de Direita que quebra demanda; Preto Velho é Direita, mas você tem Preto Velho Quimbandeiro, Baiano é da Direita, mas, você tem Baiano Cangaceiro; Marinheiro é da Direita, você tem um Marinheiro Corsário; Cigana é de Direita, mas você tem os Guardiões dos Ciganos e os Ciganos de Esquerda ou Exus Cigano e Pombagira Cigana, então Seu Zé Pelintra vem trabalhando na Direita e trabalhando na Esquerda, mas ele não é Esquerda, ele não é Exu, mas ele trabalha também cortando demanda, quebrando demanda, essa é a questão.
Seu Zé Pelintra é aclamado, é amado, é louvado, é muito conhecido na Umbanda e quando trabalha na Esquerda ele trabalha junto com os Exus, mas daquele jeitão dele.
Certa vez, uma pessoa falando num programa de televisão sobre Umbanda e por algum motivo o assunto foi para Zé Pelintra e alguém falou assim: “Ué, mas Zé Pelintra não é um espírito que quando encarnado, ele foi boêmio, malandro, mulherengo. Ué, então, o que é que a gente tem que aprender com um espírito desses?”, é a pergunta que ficou no ar em rede nacional, desqualificaram Zé Pelintra em rede nacional porque ele foi boêmio, mulherengo, malandro, desqualificaram.
E você?
Quem é você pra desqualificar um espírito que você não sabe quem é porque isso é um arquétipo?
Houve um homem chamado Zé Pelintra, mas há milhares e milhares de Zé Pelintras que estão sob um arquétipo. Agora, aquele homem que foi boêmio, que foi malandro, que foi jogador, que viveu com as mulheres, que foi o símbolo do malandro, esse homem viveu, sorriu, cantou, dançou, chorou, sofreu, viveu, ele tem experiência de vida, não foi alguém que passou a vida inteira enclausurado, que não viveu que não sofreu que não fez nada.
Não foi alguém que é considerado santo, mas que passou pelas experiências da vida, então esse homem que tem o arquétipo do boêmio, do malandro, é o arquétipo de quem viveu.
Assim como o Baiano viveu, o Boiadeiro viveu, o Marinheiro viveu o Exu, principalmente o Exu e a Pombagira, tem arquétipos de espíritos que viveram que tiveram experiência na vida, então, eles podem nos entender. O que ele tem para me ajudar? Ele tem como me ajudar porque ele entende os meus problemas porque ele passou pelos meus problemas, ele viveu as mesmas situações.
Não importa se ele tem ou não luz, o que importa é que ele me entende e se ele errou, ele teve oportunidade de errar, desencarnar, olhar a vida de fora e falar “Nisso eu podia ter sido melhor, então, vem cá, meu filho: nisso, nisso, nisso eu errei e agora eu estou aqui pra lhe dizer como fazer melhor pra você não cometer os mesmos erros que eu”, ninguém chega à luz sem passar pelas trevas, ninguém acerta sem antes ter errado.
Então, vamos acabar de vez com essa hipocrisia que “Ai esse espírito ele era um boêmio então não vou, não tem nada pra me ensinar”, ele tem pra te ensinar porque ele viveu, ele aprendeu, ele sofreu, ele errou. O que eu tenho pra aprender com Exu? Tudo. Porque ele é alguém que reconhece os seus erros, os seus vícios, as suas dificuldades e tem algo pra ensinar. Pombagira não é meretriz, prostituta, mulher da vida, Pombagira é uma entidade de Umbanda.
A prostituição diz respeito a vender o corpo, não é da nossa conta o que um faz ou deixa de fazer com seu corpo, não é da nossa conta. Se prostituição é vender o corpo, como que é Pombagira vai vender se ela não tem mais corpo, ela é espírito, não tem nada pra ela vender, não tem corpo mais e não é obsessora sexual. Exu não é obsessor, não é ladrão, não é bandido, vai roubar o quê?
Ele não está mais encarnado, não tem mais nada pra ele roubar. “Ah mas na outra vida eles foram…” e você foi o que na outra vida? Quem garante que nunca foi ladrão, que nunca foi bandido, que nunca vendeu o corpo? Que inclusive o problema não é vender, o problema é o vício nesse campo.
E não só o vício nesse campo, o vício em todos os campos. Comprar ou vender o corpo é um problema menor ainda que o outro problema maior, que é o vício, o problema social, que é como aquela pessoa põe comida na mesa da casa dela, problema dela, problema dele, mas, daí trazer esse preconceito e jogar em cima da Pombagira porque ela representa a mulher altiva, a sensualidade, não a vulgaridade, é hipocrisia e falta de conhecimento.
Exu representa aquele que desce nas trevas, mas ele não é trevas, ele é guardião da luz, guardião das trevas, mas ele não é trevas. Ele vai às trevas ajudar aquele que já está pronto para sair de lá.
Ele pode ser luz, mas não tem obrigação de ser luz, ele trabalha pela Lei, Pombagira também. Então, antes de apontar o dedo para o outro, já tem três dedos apontando pra gente e lembre-se: você aponta no outro defeito que você carrega e alguns que você gostaria de viver e não teve coragem.
Vício eu enxergo no outro o que eu tenho.
Preconceito é uma ideia pré-concebida daquilo que eu não consegui entender sobre a vida. Então, com todo mundo a gente tem algo a aprender, se não tem algo a aprender, tem algo pra ensinar.
Annapon
(Texto baseado no Curso de Teologia de Umbanda Sagrada – Desenvolvido por Rubens Saraceni – Ministrado por Alexandre Cumino)
Nenhum comentário:
Postar um comentário