Os quitutes da cozinha africana pertencem a duas categorias: uns são destinados às cerimônias do culto e outros ao público assistente.
No preparo das comidas do ritual, devem ser observados vários preceitos, inclusive a não permanência de mulheres menstruadas nas cozinhas, sempre separadas da cozinha doméstica; o uso pelas iabás (cozinheiras do culto) e das cotas, suas auxiliares, dos trajes apropriados e respectivas guias.
Além disso, as panelas devem ser de barro, novas algumas vezes, as colheres de madeira, o fogo de carvão e lenha, para dar melhor sabor à comida. Até mesmo o modo de abanar e mexer a panela é diferente do usual.
Às vezes, depois de pronta a comida, joga-se os búzios, para saber se a comida foi aceita pelo orixá; em caso contrário, é distribuída ao público, preparando-se nova. Passemos agora, a explicar os nomes e o preparo das comidas de santo.
Canjica para Oxalá: Oxalá é o maior orixá do culto. Como Oxalá-Alufan, é o deus supremo, o criador do univers. Oxalá-Guian, é Jesus Cristo, o que veio depois para proteger e guiar os que estão sob sua proteção. Como Orixalá, protege tudo que estiver sob o Alá, formando-se essa palavra de orixá (espírito da natureza) e alá (o que cobre as criaturas). Orixalá pertence a um culto derivado do nagô na Bahia.
Este orixá não recebe homenagens e cerimônias juntos com os outros, tendo o seu assentamento em lugar reservado. Somente baixa de sete em sete anos, salvo em caso gravíssimos. Só arria em cavalos feitos dentro do culto e que se preparam com sete dias de antecedência para receber o grande orixá.
Esta comida, quando é preparada para Oxalá, não leva azeite de dendê e sim ori(limo da costa), preparado africano, que vem em folhas de bananeira. Quando pronta, é servida em tigelas brancas.
Amalá de Ogum: É feito de feijão-fradinho, levando camarão, azeite de dendê, etc.
Amalá de Xangô: É feito com rabado ou peito (carne fresca), quimbobô (quiabo) fresco, azeite de dendê, camarão, etc.
Acassá: Dá-se esta comida também para Oxalá. Deita-se o milho branco com água em vaso bem limpo, sem qualquer resíduo, até amolecer, ralando-se depois na pedra de ralar, passando-se numa peneira fina (urupemba), ficando ao cabo de algum tempo a massa no fundo do vaso. Isto pronto, escoa-se a água, deitando-se a massa no fogo, com outra água, até cozinhar em ponto grosso, retirando-se com uma colher de madeira, pequenas porções que são envolvidas em folhas de bananeira, depois de um rápido aquecimento no fogo, ou não.
Acarajé: Comida que se dá também para Iansã. Feita com feijão-fradinho depositado em água durante alguns dias, a qual é mudada diariamente, até perder a casca, sendo o grão ralado na pedra de ralar. Isto feito, revolve-se a massa com uma colher de madeira, até formar uma pasta, colocando-se como tempero cebola comum ou branca e o sal ralados.
Aquecida uma frigideira de barro aí se derrama azeite de cheiro (azeite de dendê) e com a colher de madeira, vai-se deitando pequenas porções de massa e formando-se pequenos croquetes.
Para o acarajé, usa-se um molho preparado com pimenta malagueta, seca, cebola e camarão seco, sendo tudo isso moído na pedra de ralar e frigido em azeite de cheiro, em outro vaso de barro.
Como estamos vendo, a arte culinária dentro do culto, obedece à rigorosa tradição, dando-se para cada orixá, a comida que lhe pertence:
Aussá: Dá-se esta comida também para Oxum. Cozido o arroz em água sem sal, mexe-se com a colher de madeira, até formar uma consistência, usando-se para isso um pouco de pó de arroz, cujo molho é preparado como se faz para o acarajé, levando-se este molho ao fogo com azeite de cheiro e um pouco de água, até que esta se evapore.
Aussá: Quando esta comida for feita para ser servida ao público assistente, leva pequenos pedaços de carne seca.
Efó: Serve para qualquer orixá, menos para Oxalá. Corta-se a erva conhecida como língua de vaca, “taioba” ou mostarda, pondo-se ao fogo a ferver com pouca água. Feito isto, escoa-se a água, espreme-se a massa daí formada e coloca-se de novo na mesma vasilha com cebola, pimenta malagueta seca, camarões secos e sal, azeite de cheiro, depois de tudo ralado.
Caruru: Dá-se para os Beijes e Xangô. No preparo desta comida, usa-se a mesma receita do efó, podendo ser feito de quimbobôs (quiabos), cortados bem finos, mostarda ou taioba, de óio ou outras gramíneas, como sejam as folhas dos arbustos conhecidos por unha de gato, bertalha, bredo de Santo Antônio”, capeba, etc. O caruru é ingerido com acassá ou efun (farinha de mandioca).
Ecuru: Conhecida também por pamonha que se dá para Xangô. Preparado o feijão-fradinho, como se faz com o acarajé, ou milho verde, coloca-se pequena quantidade em folhas de bananeira, como se faz no acassá, e cozinha-se em banho-maria.
Pronto o ecuru, isto é, cozido, a sua massa é diluída no mel de abelhas ou num pouco de azeite de cheiro com sal.
Xinxin: Esta comida dá-se para Oxum e Iansã. Sacrificada a galinha, depena-se, lava-se bem, depois de retirados os intestinos, cortando-a em pequenos pedaços; coloca-se na panela para cozinhar com sal, alho e cebolas ralados.
Logo que a galinha estiver cozida, ajuntam-se-lhe camarões secos em quantidade, sementes ou pevides de abóbora ou melancia, tudo ralado na pedra, e o azeite de cheiro.
Robó: Corta-se o inhame em pequenos pedaços, leva-se ao fogo com água temperando-se depois com o efó. Serve para Xangô.
Humulucu: Serve esta comida para Oxum. Cozido o feijão-fradinho, tempera-se com cebola, sal, alguns camarões, tudo ralado na pedra, botando ao mesmo tempo o azeite de cheiro.
Só é retirada do fogo a comida depois de cozidos os temperos.
Dengua: Dá-se para Oxalá, Ogum e Oxossi. Cozinha-se o milho branco, ao qual se junta um pouco de açúcar.
Abará: Serve esta comida para Xangô e Iansã. Coloca-se o feijão-fradinho em vasilha com água até que a casca saia do grão ralando-se depois na pedra com cebola e sal, com um pouco de azeite de cheiro, mexendo-se tudo com uma colher de madeira.
Tudo isso feito, envolve-se pequenos pedaços em folhas de bananeiras, como se faz com o acassá, e coze-se em banho-maria.
Abarem: Serve para Xangô. O milho usado para essa comida, é preparado como se faz para o acassá, fazendo-se depois umas bolas, que são enroladas em folhas de bananeira, aproveitando-se a fibra que se retira do tronco para atar o abarém.
Pode ser servido com caruru ou mel de abelhas e, dissolvido na água com açúcar é excelente refrigerante.
Ipete: Dá-se esta comida para Iansã. É feita com inhame, que, depois de descascado, cortado bem miúdo, é fervido até perder a consistência, quando é temperado com azeite de cheiro, camarões, cebola e pimenta, sendo estes temperos ralados na pedra.
Ado: Dá-se para Xangô. É milho torrado reduzido a pó, tendo como tempero o azeite de cheiro, podendo-se-lhe juntar mel de abelhas.
Olubó: Serve para Xangô. Descasca-se e corta-se a raiz da mandioca, em fatias muitos finas, que são postas a secar no sol. No dia seguinte, estas fatias são levadas ao pilão e aí trituradas e passadas em peneira ou urupema. Derramada água a ferver sobre o pó, produz o alubó, espécie de pirão.
Efun Oguede: Dá-se para Xangô. É feito com banana de São Tomé, não muito madura, descascada, cortada em fatias e colocadas ao sol para secar. Dias depois é pisada no pilão, passando-se na peneira, obtendo-se a farinha chamada “efunoguéde”.
Oguedé: Serve para Xangô. É feito com a banana da terra, frita no azeite de cheiro.
Feijão de leite: Serve para todos os santos, menos para Oxalá. Cozinha-se o feijão mulatinho ou o preto, pisado ou moído no pilão para se tirar a casca do grão, pela sua indigestibilidade, pelo que é preciso passar o feijão na urupema.
Feijão de leit: Depois disto feito, adiciona-se quantidade suficiente de leite de coco, para dissolver a massa, sal e açúcar, levando-se finalmente ao fogo até tomar ponto. O feijão de leite pode ser servido com qualquer espécie de peixe.
Moqueca de peixe fresco: Serve esta comida para Iemanjá, Oxum e Iansã. Limpa-se o peixe, escama-se lava-se com bastante limão e água, depositando-se as postas em frigideiras. Prepara-se depois o molho, composto de sal, pimenta malagueta, coentro, limão (de preferência vinagre), tomate e cebola, derramado sobre o peixe depois de tudo moído.
Antes de levar a frigideira ao fogo para cozer o peixe, deita-se o azeite de oliveira ou o azeite de cheiro, conforme o paladar, observando-se a preferência por ambos os óleos.
Cassuanga: O fubá de milho barrufado com água e sal, era levado ao fogo para ser torrado, sendo servido com leite e açúcar. Pode-se fazer de outro modo: põe-se o fubá, amendoim e açúcar, juntamente para torrar, pisando-se depois no pilão, fazendo-se daí suculenta paçoca, hoje usada no comércio, mas sem o primitivo gosto. Esta iguaria era muito usada pelos congos no alimento dos seus filhos, que sempre foram robustos, servindo também para as amas-de-leite, dando-lhe bastante leite.
Estas comidas tinham grande valor nutritivo e esplêndido sabor, deixando os africanos, na Bahia, quitutes hoje mundialmente conhecidos, vendo-se também que no Rio de Janeiro dentro do culto do Omolocô, as suas iabás preparam estas comidas em épocas de grandes festas, o que é raro.
Bebidas de santo
Para acompanhar as iguarias, falaremos das bebidas de santo, que foram com o tempo substituídas por outras que contêm uma fermentação quase idêntica as usadas no culto, embora com outro sabor, mas havendo semelhança; os orixás aceitas estas bebidas como Ogum aceita a cerveja branca, já a preta é para Xangô.
Aluá: Faz-se esta bebida de diversas maneiras consoante o santo que irá bebê-la.
Para Oxum faz-se com fubá de arroz, para Ogum é com milho branco; e para Xangô, o milho é torrado dando uma cor escura como gengibre.
O milho fica na água, dando em três dias a esta um sabor acre, de azedume pela fermentação. Coa-se a água, colocando-se pedaços de rapadura e, diluída esta, tem-se saborosa bebida e refrigerante.
Por este processo prepara-se o aluá ou aruá de casca do abacaxi, para ser distribuído aos assistentes.
Gronga:– É uma bebida feita de raízes e gengibre, para a confraternização dosmalungos (amigos) oferecida com saudação do ritual.
Esta bebida é muito usada na Linha das Almas.
Bebida de Oxossi: Do coco de dendê, extrai-se a seiva por meio de bambus, introduzidos no tronco da árvore, na incisão feita, passando depois a fermentação, para ter potência alcoólica, filtrada antes e engarrafada, ficando muito gostosa; é oferecida a Oxum em cuité com mel de abelhas, em folha de saião ou laranjeira.
Hoje esta bebida foi substituída pelo oti que tem o mesmo efeito alcoólico.
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