A criação deste texto surgiu da minha insatisfação com as mentiras propagadas por aí e as confusões que ocorrem ao misturarem elementos de diversas culturas, sem o menor cuidado possível. Vemos, na vivência de terreiro, muitos médiuns, dirigentes e supostos sacerdotes dizendo que são isso e aquilo, colocando-se muitas vezes em uma posição altiva, mas que de fato não possuem qualquer tipo de postura condizente com o que se propuseram a fazer. Pior ainda é quando encontramos sacerdotes “bad-boy” que querem resolver tudo na porrada ou na demanda.
Umbanda nunca foi local para mentes inaptas ao bem estar da humanidade. O lema principal é seguir a Cristo através das suas máximas: Amar a Deus acima de TUDO e amar ao teu próximo como a ti mesmo.
Logo, se um sacerdote se coloca numa posição diferente da de pregar o amor, a caridade e a fraternidade, ele não está seguindo a lição do Mestre Nazareno e não está praticando Umbanda.
Infelizmente a massificação da informação trouxe, também, muita gente interesseira, que exploram a credulidade alheia e a fé (ou falta da mesma) para angariar recompensas monetárias para suas vidas. Vivem como sacerdotes mesmo, sendo sustentados com dinheiro do terreiro e por fim acabam criando uma dependência total dos seus súditos e seguidores e vice-versa. Para manter o fluxo, infame, entre a necessidade de saber mais de forma rápida e fácil dos seguidores e o seu padrão confortável de vida, começam a criar diversas novidades, chegando inclusive a inserir elementos diversos dentro da Umbanda, sem a menor preocupação da sua repercussão energética ou, até mesmo, psicológica.
O caso mais emblemático surgiu dentro da Umbanda Sagrada, criada por Rubens Saraceni, no chamado Trono Feminino da Justiça. Segundo o seu criador, o Trono Feminino da Justiça (TFJ), é o polo negativo do Trono Masculino da Justiça, onde está assentada a força conhecida por nós como Xangô. Assentada no TFJ está a orixá Egunitá, que posteriormente foi renomeada para Oro-iná. Segundo o sincretismo ela seria Santa Sarah Kali, uma das santas a qual os ciganos cultuam. Porém, vejo diversos seguidores e alguns pretensos sacerdotes (alguns até “formados”), sincretizando esse orixá com a deusa hindu Kali.
Dentro da filosofia do TUDO PODE NA UMBANDA, perpetrada por essa vertente, isso é totalmente concebível e normal. Porém, na minha visão, devemos ter um cuidado extremo ao cultuar forças que não conhecemos.
Kali é uma entidade praticamente alienígena para o povo ocidental, excluindo alguns cultos voduístas que sofreram grande impacto e influência da cultura hindu, a deusa Kali é uma estranha para o povo brasileiro e não tem qualquer relação com a Santa Sarah Kali.
Esse trono é envolto em polêmicas desde o princípio, primeiramente por usar o nome Egunitá para designar o suposto orixá assentado nesse trono. Egunitá é uma das facetas ou versões de Iansã (ou Oyá), que recebe de Xangô a língua de fogo, ou seja, o poder de manipular o fogo pela boca. Ela é associada ao fato da justiça consumidora, aquela que devasta tudo. Pensando assim, realmente tem algo a ver com a deusa Kali, pois a mesma também tem seu lado destrutivo, porém muito mais acentuado e nem sempre ligado a Justiça de alguma forma.
Posteriormente o criador (RS), percebeu a dor-de-cabeça criada e tentou trocar o nome para Oro-iná, porém não pegou. Estava sacramentado o nome Egunitá no meio umbandista da vertente sagrada. Pior ainda é que a santa sincretizada, sumiu totalmente do páreo para dar lugar a outra coisa qualquer.
A história da santa perdeu-se no tempo, mas o que chegou até nós, nos indica que a Santa chamada Sarah Kali, tinha esse nome mais como um título. Veja, segundo dizem Sara, proveniente do hebraico significa algo próximo a senhora, princesa ou dama de alta sociedade. Já o termo Kali, provém do sânscrito e significa escuro. Então traduzindo o nome seria Santa Princesa Escura ou Santa Princesa da Pele Escura ou Negra.
Já a deusa Kali é a ceifadora da vida, um dos aspectos de Shiva para alguns, que é o deus da destruição da trindade hindu – Brahma, Vishnu e Shiva. É a deusa que representa a morte do ego, porém o ser humano é um ser egoíco, se perder seu ego ele simplesmente morre. Em sua representação, sempre se encontra com um colar de crânios em volta do pescoço, personificando nesse símbolo a sua implacabilidade e a falta completa de trato social ou preocupação do pensamento alheio, na figura espantosa.
Entre as muitas lendas que existem, há a luta entre Durga e um demônio chamado Raktabija (que parece-se muito com a Hidra de Lerna da mitologia grega). Conta-se que Shiva e Durga, tentavam matar o demônio, porém toda vez que uma gota de sangue dele caia na terra, brotava um novo demônio. Para resolver essa situação, Shiva exterioriza (cria) Kali que cortando as cabeças dos demônios, lambia seu sangue, para impedir que os mesmos criassem novos seres. Ainda hoje nas cerimônias de Kali na Índia, o escolhido (um médium possivelmente) manifesta a divindade que bebe de sangue, diretamente do pescoço de um animal, normalmente cabras. Geralmente é cultuada para que as pessoas tenham mortes tranquilas. Veja que interessante, é uma troca, cultuam ela (o ego dela, que ela geralmente destrói, nos outros) para que o cultuador possa ter uma morte tranquila, caso contrário o mesmo terá uma morte terrível.
Só com essa história percebemos que não encaixa de forma alguma na figura de Justiça que conhecemos ou que achamos que conhecemos. Ela, deusa Kali, representa as trevas do ser humano, o que é o oposto do que o FOGO representa, na personificação de Egunitá.
Então que fique claro de uma vez por todas, que não podemos cultuar Kali na Umbanda. Ela é uma divindade hindu, que só pode ser cultuada por quem é iniciado nos mistérios do hinduísmo e mais precisamente no culto da própria deidade. Em nada ela é Sara Kali, a santa dos ciganos Rôm e por consequência em nada tem com a faceta de Egunitá, da orixá Iansã.
Essa exposição foi feita para que se abram os olhos dos estudantes da espiritualidade, para que não façam bobeira com suas vidas, suas espiritualidades e suas mediunidades. Como dizia o filósofo alemão Friedrich Nietzsche:
“Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você.”
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