Esse texto de fitoterapia estava para ser escrito já há algum tempo, mas devido a questões que vieram a tona nos últimos dias eu resolvi mudar o escopo do artigo e falar sobre a fitoterapia já com um contexto direcionado para as práticas espirituais. Fiz isso por zelo e por preocupação com os absurdos que vejo sendo veiculados por aí, por meio de “sabedores de tudo”, que nunca comprovam seus conhecimentos ditos acadêmicos.
Fitoterapia é um ramo medicinal onde se utiliza das plantas e de seus princípios ativos naturais (P.A.N.) para obter melhoras na saúde física, mental e emocional. Apesar de muitos acharem que a fitoterapia é um ramo mais natural ou homeopático, na verdade ela é considerada alopatia. Com isso, devemos já desmistificar agora a famosa afirmativa: “É natural (ou é planta) não faz mal!”. Isso é uma grande mentira que muitos divulgam e ajudam a espalhar. As plantas são perigosas, se você não sabe direito o que há naquela planta ou pior, se não sabe a parte específica que usar da planta.
O Maracujá, por exemplo, é popularmente conhecido como calmante natural. Basta alguém tomar suco de maracujá para falar que ficou sonolento. Encontramos também nas drogarias fármacos naturais (ou fitoterápicos) com Passiflora Incarnata ou Passiflora Alata em suas composições, como os mais populares: Pasalix, Passiflorine e Maracugina, que alegam seres sedativos leves e ansiolíticos, sendo indicados para insônias e estresse. Porém, as propriedades realmente calmantes estão presentes nas folhas e não no fruto em si e esses medicamentos são feitos com extratos secos (e não com a folha sem processamento) das folhas de Maracujá. Então como pode alguém tomar o suco do fruto e ficar sonolento? Efeito placebo.
Encontramos ainda mais problemas quando as recomendações fitoterápicas são feitas só pelo nome comum ou vernacular das plantas, pois encontramos diversas plantas sendo chamadas de nomes iguais, porém sendo de espécies diferentes. O exemplo mais clássico é a Erva-Cidreira. Muitos chamam o Capim-Limão (Cymbopogon citratus) ou Capim-Santo de Erva-Cidreira ou Capim-Cidreira, porém a verdadeira Erva-Cidreira é a Melissa, ou melhor, em seu nome científico: Melissa officinalis.
Também encontramos muita literatura baseada apenas em instruções nutricionais ou ainda no conhecimento popular estrito e não se atem as composições fitoquímicas das ervas. Vou ser bem sincero aqui, quando os médiuns eram mais firmes e não se permitiam tantas “invencionices”, poderíamos ficar mais tranquilos, mas nos tempos atuais, temos muitos médiuns mal resolvidos e em processos anímicos ou de mistificação que acabam “metendo os pés-pelas-mãos”. Todo cuidado é necessário nesse caso!
Quantas vezes já ouvi gente falando que foi receitado banho de Aroeira, para limpar demandas negativas. Realmente, a Aroeira é uma erva extremamente adequada a isso, com força (axé ou mojo) de Ogum, indicada para retirar miasmas profundos, mas devemos saber qual Aroreira estamos indicando e qual é a parte usada. A Lithraea molleoides (Aroeira Brava) que é comum no Brasil e encontrada em qualquer estrada é extremamente tóxica através das suas folhas. Tomar um banho com esse tipo de Aroeira é pedir para ter sérias dermatites, que podem causar até mesmo o óbito se a pessoa tiver um nível de alergia maior. Já a espécie Schinus terebinthifolius é também conhecida como Aroeira, mas não é alérgica, aliás, é essa a espécie responsável pelo poivre rose ou Pimenta-Rosa, usado na culinária e também é essa que se usa nos banhos geralmente. Porém, não recomendo tomar banho mesmo que você compre a erva com o nome científico escrito corretamente, em casas de artigos religiosos, pois há muita adulteração. Você pode comprar gato por lebre nesses casos.
O mesmo ocorre para banhos de Comigo-Ninguém-Pode, Saia-Branca, Lírios, Urtigas, Pimentas, entre outros, que os novos pais de santo andam por aí indicando de maneira errada. Pior ainda é quando pedem para fazer uso interno de tais ervas.
Devemos possuir um mínimo de responsabilidade, pois estamos lidando com vidas. Mas na angústia de se mostrar um grande médium ou um feiticeiro (mago é o termo mais usado) poderoso, começam a proferir as fórmulas mágicas mais estapafúrdias, se esquecendo de que ali tem uma pessoa necessitando de ajuda e acima de tudo um irmão em Deus.
Saindo um pouco do contexto religioso e umbandista, outro dia chegou ao meu conhecimento uma divulgação em um grupo sobre o Ginseng. O ginseng é uma erva muito utilizada no oriente e tem propriedades interessantíssimas, mas também padece da mesma carga de confusão de espécies devido aos nomes populares.
O Ginseng verdadeiro é o Panax ginseng também conhecido como Ginseng Coreano, Ginseng Chinês ou Ginseng Siberiano. Mas também temos uma espécie chamada de Ginseng brasileiro (Pfaffia glomerata) que não tem muito a ver com o verdadeiro Ginseng. Neste grupo, afirmava-se que o Ginseng Vermelho, que é muito raro devido a necessidade de maturação por anos de suas raízes e rizomas, era adulterado colocando em seu lugar a Heteropterys aphrodisiaca, que nem Ginseng é e nem lembra um. Essa erva (Heteropterys aphrodisiaca) é popularmente conhecida como nó-de-cachorro e tem propriedades estimulantes sexuais. Já o Ginseng (Panax ginseng) é um adaptógeno, que pode melhorar a função sexual, mas não só isso. Para piorar no grupo postaram uma foto da Pfaffia glomerata dizendo que era uma Heteropterys afrodisíaca e alegando que essa tinha propriedades semelhantes ao Panax Ginseng. Viram que confusão?
Vejam as imagens abaixo e comparem as três espécies:
O que quero dizer é que não basta a sabedoria simplesmente popular, pois até algum tempo atrás era receitado para mulheres que não menstruavam o chá de arruda, que é rica em um flavonoide chamado Rutina. Porém, essa mesma planta a Ruta graveolens (Arruda) é abortiva. Então, se a pessoa não tá menstruando, pois está grávida e não sabe e lhe indicam chá de arruda, com certeza o aborto acontecerá. Conseguem imaginar o Karma?
Não custa estudar um pouco e ir atrás de boas literaturas a respeito. Principalmente os artigos acadêmicos e científicos, escritos por pesquisadores de química e farmacêutica. As ervas possuem suas propriedades energéticas também, mas também as fitoquímicas e devemos compreendê-las para não indicar errado ou permitir que a vaidade e o ego sobreponham a mediunidade.
Há um grande problema quando a vaidade e o falso conhecimento se intercalam, praticamente não dando para saber onde começa um e termina outro. O mais clássico é ter a crença de que só a prática religiosa e o conhecimento religioso basta, ou seja, o que um suposto sacerdote nos indica é válido. Um amigo de jornada veio me contar que em um curso de ervas na Umbanda, foi recomendado para o marido de uma das alunas um chá de “JUREMA”. A nomenclatura já começa errada, pois chá é algo muito genérico e para fins alimentícios, em se tratando de fitoterapia é decocto ou infuso. Podemos aceitar o termo chá, quando falado pelo guia incorporado, para mais fácil entendimento do consulente, mas não era o caso aqui, pois a professora não estava incorporada e estava transmitindo apenas seu conhecimento de cursos.
Para piorar essa situação o caso do rapaz é clínico, diagnosticado com depressão. Foi recomendado um chá eteógeno (dentro da prática religiosa), mas alucinógeno (fora da prática religiosa) para alguém que toma remédios controlados (psicotrópicos, antidepressivos, calmantes e sedativos). Ainda que fora dito para a professora os medicamentos que ele tomava, ela insistiu dizendo que seria bom para ele entrar em contato com os espíritos na viagem que faria com o chá de “Jurema”. Pois bem…
A bebida ritualística não é chá, para começar. O termo correto seria vinho e mesmo que fosse feito só com a Jurema, precisaria saber qual parte da planta usa (raízes, cascas, folhas, semente, resina) e qual é a erva catalisadora para o vinho de Jurema fazer efeito. Sim, a jurema por si só não causa nada, é preciso – assim como na ayahuasca – de uma outra erva para catalisar e promover a absorção dos princípios ativos naturais da jurema. Mais uma vez vemos o total desconhecimento das pessoas pelas práticas religiosas e ainda a irresponsabilidade de indicar isso como medicamento, sem a menor base.
Os guias sabem tudo? Não sabem e mesmo que soubessem é nossa obrigação nos aprimorar. Então estude, procure fora do campo religioso e compreenda que o mundo é muito mais interessante do que apenas o que dizem os pais e mães de santo. Devemos sempre (é uma obrigação) questionar os autoproclamados “doutores” de santo.